Vítima, mãe e irmã tiveram diversas escoriações e foram ameaçadas
A promotora de vendas Michele Borges*, 37 anos, foi espancada por policiais militares na porta da 52ª Companhia Independente da Polícia Militar, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador. O caso aconteceu no domingo (6). A mãe dela e a irmã também foram agredidas com socos, pontapés e tapas, e foi necessário atendimento médico. O caso está sendo apurado pela Corregedoria da Polícia Militar.
A vítima foi casada por sete anos com o soldado Anderson Oliveira de Sá, 40 anos, que trabalha na 52ª CIPM, e eles estão separados há cerca de três anos. Ela já tem uma medida protetiva contra ele por conta de ameaças de morte e agressão. Na última semana, os três filhos do casal, uma menina de 9 anos e um casal de gêmeos de 7 anos, ficaram com o pai, e no domingo (6) voltaram para casa machucados.
“Tinha seis meses que ele não pegava as crianças. No domingo, quando ele foi devolver os meninos, na hora em que ele chegou, a gente não estava em casa. Ele foi até a porta de meu irmão, e como meu irmão também não estava em casa, ele não esperou, ele foi embora e largou as crianças na rua. Um vizinho foi quem nos avisou. As crianças estavam muito assustadas e contaram que o pai bateu muito nelas”, contou a mulher.
O CORREIO teve acesso aos áudios que as crianças gravaram para a mãe. Elas relatam que foram agredidas diversas vezes e imploram para a vendedora não permitir que elas voltem para a casa do pai. “Eu não quero ir lá nunca mais, mãe. Nunca mais”, conta um dos pequenos, emocionado.
“Eu fiquei arrasada quando ouvi os áudios. Eles estavam muito assustados e chorando muito. Fui até o quartel para falar com o comandante dele [do pai das crianças], para pedir que ele me ajudasse, para que conversasse com ele, mas foi pior. Fui pedir ajuda para a polícia e acabei sendo espancada”, afirmou.
Agressões
A vítima contou que acreditava que o ex-marido estivesse de folga naquele dia, mas ele estava de plantão na guarita da CIPM. Ela ficou intimidada, mas tentou buscar ajuda.
“Quando eu cheguei ele falou ‘você está fazendo o quê aqui, sua desgraça? Vá embora antes que eu te dê um monte de tiro’. Eu gritei por ajuda e saíram alguns policiais. Um deles indagou quem era a esposa de Oliveira Sá. Eu respondi que era a ex-esposa e a mãe dos filhos dele, e o policial deu o primeiro tapa no meu rosto. Ele perguntou ‘você estava onde, sua vagabunda? O cara chegou atrasado ao trabalho’. Eu disse que não sou vagabunda e que isso não justificava ele abandonar três crianças na rua”, disse.
A resposta desagradou o militar. A vítima contou que recebeu um soco no peito e mais palavrões. A mãe dela, uma mulher de 58 anos, e a irmã, 34 anos, se assustaram quando o policial sacou a arma e tentaram intervir, mas também foram espancadas. Oliveira Sá não participou das agressões e também não tentou evitar. As três mulheres foram colocadas no camburão de uma viatura, as crianças em outra viatura, e foram apresentadas em uma delegacia, na madrugada de segunda-feira.
O CORREIO teve acesso ao Boletim de Ocorrência registrado na 23ª Delegacia (Lauro de Freitas). No documento os policiais afirmam que a ex-mulher do PM e os familiares dela tentaram forçar o portão da CIPM e que agrediram verbalmente os militares. Alegam também que o carro usado pela família estava bloqueando a saída do quartel e que, por isso, foi rebocado. Não há menção ao que foi relatado pelas vítimas, e as três mulheres foram autuadas por desacato.
Medida protetiva
A vítima contou que o soldado não aceitou bem o fim do relacionamento, há três anos, e que fez ameaças de morte. Ela ficou assustada, mas não procurou a polícia. A situação mudou há cerca de dois anos, quando ela deu início a outro relacionamento. As ameaças ficaram mais frequentes até que ela tomou coragem e procurou a Justiça. A medida protetiva foi expedida em maio de 2019.
“Durante a pandemia, a 2ª Vara de Violência Doméstica entrou em contato comigo porque ele entrou com pedido de revogação. Como não está tendo audiência presencial a Vara entrou com contato por telefone para saber se eu tinha interesse em revogar ou se eu queria manter. Eu pedi para que mantivesse a medida, e ela foi renovada” afirmou.
Michele contou que mudou de endereço depois que começou o novo relacionamento, por medo, mas que o soldado descobriu onde ela está morando. Ele fez uma foto do portão da casa e mandou para ela com uma mensagem ameaçadora.
Repercussão
Depois do ocorrido no último domingo, a vítima recebeu uma ligação do comandante de Oliveira Sá e voltou a sede da CIPM para ser ouvida. Ela também procurou a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), fez exame de corpo de delito, e prestou queixa na Corregedoria da PM. O Ministério Público também foi procurado.
“Eles [os PMs envolvidos nas agressões] apreenderam o carro do meu cunhado alegando embriaguez, mas não apresentaram a guia para ele fazer o teste de alcoolemia. Disseram no Batalhão que o carro estava no pátio do Detran, na Avenida Barros Reis, em Salvador, mas encontramos o veículo no pátio do Caji. Precisamos pagar R$ 95 para retirar o veículo. Meu cunhado trabalha como motorista de aplicativo, e ficou esses dias sem poder trabalhar. Eu vendo roupas, e a mercadoria que estava no carro sumiu. Nossos celulares foram apreendidos. Os prejuízos foram muitos”, disse.
A irmã de Michele, espancada durante a ação, precisou de atendimento médico e foi socorrida para um hospital com diversas lesões. Ela já está em casa, mas ainda está com muitas marcas no corpo.
“Todos me pediram para não procurar a imprensa, mas eu quero expor para que todo mundo saiba que se algo acontecer comigo ou com meus familiares, foi ele. Sabe o que é mais irônico? No dia das agressões a Polícia Militar fez uma postagem nas redes sociais da corporação dizendo que os homens da PM da Bahia são contra a violência contra a mulher. Nesse mesmo dia eu, minha mãe e minha irmã fomos buscar ajuda da polícia e fomos espancadas na porta do quartel”, afirmou.
As vítimas não recordam quantos PMs exatamente participaram da agressão, mas conseguiram identificar pelo menos dois agressores. Elas disseram que há câmeras de segurança no local onde o crime aconteceu que podem ajudar na investigação e pediram que a polícia cheque as imagens.
Em nota, a Polícia Militar informou que está apurando o caso e que afastou os policiais envolvidos nas agressões. Confira o posicionamento da corporação na íntegra:
A Polícia Militar informa que a Corregedoria Geral da corporação irá instaurar um feito investigatório para apurar as denúncias contra os referidos policiais militares.
Na última segunda-feira (7), a denunciante esteve na sede da 52ª CIPM, juntamente com os familiares, e foi recebida pelo comandante da unidade onde os militares são lotados. Ela formalizou as denúncias e de imediato todos foram encaminhados para oitivas e os devidos encaminhamentos legais.
Toda a documentação foi remetida para a Corregedoria Geral, que apura o fato.
Como medida preventiva durante o processo apuratório, o comandante da 52ª CIPM afastou os policiais militares denunciados das atividades operacionais.
*Michele pediu para ser identificada na reportagem.
Crédito: Correio 24 horas.