Dos 650 mortos pela Polícia Militar baiana em 2019, 97% são negros. O percentual é maior do que a proporção de negros na composição racial do estado, que soma 76,5%, segundo número do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados são do relatório “A cor da violência policial: a bala não erra o alvo”, da Rede de Observatórios da Segurança (clique aqui e leia o relatório completo), divulgado nesta quarta-feira (9).
Além da Bahia, o estudo analisou informações sobre letalidade da polícia em outros quatro estados – São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará. Em todos eles, o índice de negros mortos pelas PMs ultrapassou os 60%, uma comprovação de que esta população é o maior alvo das forças de segurança no país. No entanto, o número baiano é o maior e o que mais chama atenção.
Dos 650 mortos, 474 são negros. Destes, 375 são pardos e 99 são pretos – vale lembrar que, para calcular a população negra no Brasil, o IBGE soma os números de autodeclarações dos dois grupos. Entre as vítimas da letalidade policial, estão ainda 15 brancos. Outros 161 mortos não tiveram cor informada nos registros da Secretaria de Segurança Pública da Bahia analisados pela pesquisa, o equivalente a 24,8% do total de óbitos.
Para encontrar a proporção de 97% de negros assassinados, o estudo considerou as mortes com raça declarada. As informações foram obtidas por meio das próprias pastas estaduais de segurança ou via Lei de Acesso à Informação (LAI). Em nota, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) disse que suas ações são baseadas após “levantamentos de inteligência.” (veja o posicionamento completo ao fim do texto).
Na avaliação dos pesquisadores da Rede de Observatórios da Segurança, os números apontam um marcador racial bem definido quando o assunto são as ações policiais.
“Os cinco estados que compõem a Rede têm composição racial bastante distinta. Enquanto na Bahia os negros são 76%, em São Paulo são 35%. No entanto, ao analisarmos a proporção de negros entre as vítimas de violência letal, a predominância de pretos e pardos é bem superior à composição da população, ou seja, negros são os que mais morrem independentemente do tamanho da população negra do lugar”, diz trecho do relatório.
A pesquisa pontua, ainda, que, em estados como Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, as mortes pela PM têm recordes “superados a cada ano”. Ainda segundo o relatório, a morte de pessoas negras faz parte da agenda política baiana.
“A violência antinegra deveria constar como parte do retrato fiel [e cruel] da Bahia, que concentra uma das maiores populações negras do Brasil. A distribuição da morte continua sendo parte da agenda política do estado, onde a reconfiguração do território desenhada para as políticas públicas esconde as topografias militarizadas, os conflitos nada silenciosos, e onde gerações de crianças e jovens passaram a ser socializadas em função da experiência de assistirem ao enterro precoce de seus pares. A violência racial de Estado não é contingente à transgressão. Ela não é resposta ao desvio. E a distribuição da morte como exercício organizado do poder, que se autolegitima nos discursos da guerra, define a agenda política”, diz outro trecho da pesquisa, que fala em “normalização” da violência contra negros na Bahia.
A PM baiana é a segunda mais letal do país em 2020, perdendo apenas para a do Rio, segundo a pesquisa. Novembro foi o mês “mais sangrento” em Salvador, conforme o relatório.
FALTA DE INFORMAÇÕES
Os pesquisadores relataram dificuldades de obter dados sobre o tema junto à SSP-BA. Segundo eles, a pasta não forneceu os números de 2019 pedidos, que foram obtidos “por outros meios”, não detalhados pela equipe. A falta de informações foi criticada no relatório, que enfatizou a importância da produção de dados para geração de políticas públicas.
“Sem eles para orientar os objetivos e informar a eficácia, não podem ser diagnosticados os problemas e menos ainda serem tecidas proposições capazes de superá-los […] Lembramos ainda que o preenchimento de dados por parte de funcionários públicos, seja nas áreas de saúde, educação ou segurança, é procedimento que depende exclusivamente de treinamento e orientação de chefias. Se os dados se apresentam sistematicamente sem informações, isto expressa gestões indiferentes à qualidade dos indicadores que deveriam orientar políticas públicas. A ação de não produzir dados sobre os mortos pela polícia ou não divulgá-los com facilidade é uma política em si mesma, mas não uma política pública como gostaríamos, e sim uma política que procura encobrir o genocídio negro.”
Leia a íntegra da nota da SSP-BA
“A Secretaria da Segurança Pública ressalta que as ações policiais são realizadas após levantamentos de inteligência e observação da mancha criminal. A SSP destaca ainda que todos casos que resultam em mortes são apurados pela Corregedoria e, existindo indício de ausência de confronto, os policiais são afastados, investigados e punidos, caso se comprove a atuação delituosa.”