
Era 12 de novembro de 2019 quando, após conflitos internos dentro do Partido Social Liberal (PSL), o presidente Jair Bolsonaro foi em uma rede social anunciar sua saída da legenda com a ideia de criar um novo partido, o Aliança pelo Brasil.
“Hoje anunciei minha saída do PSL e inicio a criação de um novo partido: ‘Aliança pelo Brasil’. Agradeço a todos que colaboraram comigo no PSL e que foram parceiros nas eleições de 2018”, escreveu Bolsonaro à época, despedindo-se da sigla com a qual elegeu-se presidente da República.
Em 5 de dezembro de 2019, o auto intitulado vice-presidente do Aliança pelo Brasil, Luís Felipe Belmonte, registrou a legenda em cartório. Os planos de Bolsonaro era ter o partido à mão para disputar as eleições municipais de 2020, o que não aconteceu.
Desde a concepção seminal do Aliança pelo Brasil, de quando Bolsonaro envolveu-se em querelas dentro do PSL, a ideia era criar um partido que o mandatário fosse o líder absoluto ou que ao menos tivesse grande parte do poder sobre recursos e espaços políticos.
No entanto, sem conseguir reunir as assinaturas necessárias, o Aliança não conseguiu obter o reconhecimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De acordo com a Justiça Eleitoral, até agora, o Aliança só conseguiu validar 10% das 491.967 mil assinaturas necessárias.
Os entraves são tantos que o presidente, até então um dos principais entusiastas da sigla, já ventila segunda opções, com o receio, fundamentado, de que o Aliança não consiga sair do papel. O problema, agora, segundo especialistas, são as jogatinas políticas que a família Bolsonaro terá que considerar ao tentar entrar em uma legenda existente.
“Existe uma ideia, que paira em Brasília, de que Bolsonaro deve entrar em um partido que dê mais força e viabilidade eleitoral para ele. Ao mesmo tempo, entrar em um partido significa que alguém vai ter que perder espaço para que a família Bolsonaro tenha domínio sobre o partido, domínio sobre a direção, domínio sobre recursos financeiros, e esse não é um processo fácil. Até porque os partidos já têm grupos estabelecidos que brigam e batalham por acesso a recursos e espaço de poder.”, explicou o professor de ciência política da UNILAB, Cláudio André.
O coordenador da pós-graduação em Ciência Política do Instituto Singularidade, Humberto Dantas, avalia que Bolsonaro e aliados terão que ir à mesa de negociação. “Criar um novo partido tem um custo político que pode resultar em perda de sustentação junto a outras legendas. E essa conta é muito delicada. O presidente está diante de um novo dilema: quanto vai custar aderir a uma legenda existente? O que vai pedir em troca e o que vai dar em troca. Sob quais condições? Bolsonaro precisa de estrutura para 2022, pois terá que mostrar o que fez em quatro anos. Ele não vai vender facilmente o discurso de um agente de fora da política. Essa condição ele não tem mais”, pontua Dantas.
“Ele [Bolsonaro] terá que ir para um partido existente e que já tem um líder, e ele, como presidente da república, vai querer que o líder faça concessões, mas vai ser difícil, só se se tratar de alguém muito ingênuo do ponto de vista político. Mas Bolsonaro pode conseguir algum tipo de divisão de poder e influência dentro do partido escolhido.”, destaca o cientista político Alberto Almeida.
Alternativas
O próprio Bolsonaro já deu declarações públicas de que procura alternativas diante do fracasso em emplacar o Aliança pelo Brasil. No começo deste ano, o mandatário admitiu, em conversa com jornalistas, que “o tempo está meio exíguo” para a criação da sigla. “Muita burocracia. Muito trabalho. Certificação de fichas. Depois passa pelo TSE também. Então, o tempo está meio exíguo para a gente aí”, declarou.
O chefe do executivo já recebeu propostas de cinco legendas: PP, PL, Republicanos, PTB e Patriota. Mas, segundo especialistas, agora apenas três estão no páreo: Patriota, PTB e o PP.
O presidente do PTB do município de Lauro de Freitas, Mauro Cardim, afirmou que seu partido “tem vaga” para Bolsonaro. “Nosso partido, a partir da liderança de Roberto Jefferson [presidente nacional do PTB], tem feito conversas para abrir vagas do PTB para receber o presidente Bolsonaro. É uma das possibilidades. Os outros partidos têm se movimentado, como o Patriotas, para receber o presidente. A decisão cabe ao presidente. Em março ele vai anunciar para qual partido vai. Espero que ela venha para o PTB”, declarou Cardim.
O vereador de Salvador, Cezar Leite (PRTB), um apoiador de Bolsonaro na Câmara Municipal, acha difícil que Bolsonaro consiga as assinaturas para viabilizar o Aliança pelo Brasil e espera a decisão do mandatário em eleger uma nova legenda. “Bolsonaro já disse que acha muito difícil que o partido esteja pronto em 2022. A burocracia do TSE está emperrando muito a conclusão. Aguardaremos a posição do nosso presidente quanto ao futuro do partido, ou até mesmo a migração dele para outra legenda.”, disse.
“Eu acho muito difícil que [o Aliança] saia para 2022. O próprio presidente já falou isso. Não existe a possibilidade. Acho muito difícil. É mais fácil ele entrar em um partido que já esteja pronto e montado, e ocupar as presidências estaduais, para dar continuidade ao trabalho e partir para a reeleição.”, afirmou Mauro Cardim.
De acordo com o cientista político Cláudio André, Bolsonaro tem três opções. A primeira seria entrar em um partido em que o mandatário abriria mão de ter o controle majoritário sobre a legenda “Essa estratégia foi o que ele fez em 2018, quando escolheu o PSL, um partido nanico, um partido que não oferecia grandes recursos nem uma grande militância, mas já era um partido montado, com diretórios, com uma burocracia partidária.”, destaca.
A segunda seria optar por um partido menor, como o Patriotas, “um partido mais conservador, e que dá a possibilidade a Bolsonaro de ter mais domínio sobre o partido.”, observa Cláudio André. A terceira seria criar seu próprio partido, que é a proposta do Aliança pelo Brasil, que até agora fracassou.
“Tudo vai depender da condição política de Bolsonaro, de como é que ele vai conseguir melhorar sua aprovação nos próximos meses. Nesse momento, a aprovação do presidente está em queda, embora não seja uma queda significativa, mas mostra que as coisas não estão bem. Passa pela cabeça do Palácio do Planalto melhorar a imagem do governo e a partir disso o governo conseguir atravessar um momento de bonança, e com isso vitaminar a ideia da criação de um partido ou mesmo como vai ficar a negociação dele com o centrão e partir dessa relação ele pode negociar. Está em aberto.”, explica André.
O quase-partido
O Aliança pelo Brasil, de acordo com o cientista político Cláudio André, foi concebido como alternativa ao PSL. Bolsonaro, à época, ainda filiado ao PSL, entrou em rota de colisão com o presidente da sigla, Luciano Bivar, em disputas internas do partido.
“Bolsonaro, junto com os filhos, brigou para dominar a máquina partidária [do PSL]. O aliança pelo brasil tinha um grande apelo funcional, que era dar espaço à família Bolsonaro e atrair os deputados do PSL, criando um racha, e ao mesmo tempo de gerar um rearranjo nos outros partidos. Ele acabaria por atrair para o seu partido dissidentes bolsonaristas em outras siglas, e nisso surgiu a ideia de criar esse partido, e ele não obteve sucesso.”, disse André.
Embora não tenha saído do papel, é possível analisar o matiz político do quase-partido Aliança pelo Brasil, de acordo com o cientista político Cláudio André, sobretudo através de documentos fundadores da sigla.
“É um partido conservador, voltado para o enfraquecimento da ideia de um estado laico, ao mesmo tempo a partir de uma perspectiva de autoritarismo social, de regulação e tutela da sociedade civil. Em geral, eu vejo um partido pouco afeito aos ideais liberais de sociedade e de política, embora o partido apresente uma perspectiva mais liberal na economia”, acredita Cláudio André.
No entanto, segundo Cláudio André, para além do que está escrito em documentos, partidos são feitos no dia-a-dia, na práxis política, e se torna difícil avaliar os espectros políticos do Aliança. De qualquer maneira, o cientista avalia que faltou empenho de Bolsonaro em criar o Aliança pelo Brasil.
“Bolsonaro organizou um marketing, um site, e partiu para criar um partido muito mais pelas redes sociais. Bolsonaro brigou com o TSE, pedindo que liberasse as assinaturas digitais, porque eles tinham a perspectiva da coleta de assinaturas digitais através de um aplicativo baseado em smartphones. O Aliança pelo Brasil não passou de um balão de ensaio.”, finalizou.
Crédito: A Tarde